Compaixão e comunhão: duas chaves para ler o mistério da PAIXÃO DE JESUS


Ao aproximar-se a celebração da Páscoa, é de se esperar que o melhor de nossa atenção se volte para o mistério da Paixão de Jesus, na qual a Revelação cristã diz que se revelou nossa salvação definitiva. No entanto, em nossa cultura de hoje, que valoriza o bem estar, o prazer, o possuir, pode ainda encontrar na contemplação de um Crucificado a chave para entender sua própria vida? Mais ainda: é possível que a Revelação do Deus Todo Poderoso e Criador, que nunca ninguém viu, possa ser visto e contemplado na figura des-figurada co pobre carpinteiro de Nazaré, entregue à justiça dos homens e por ela injustamente condenado, torturado e morto? Com palavras radicais e impressionantes, o apóstolo Paulo descreve o mistério que o fascinou no caminho de Damasco e que mudou sua vida, convertendo-o de perseguidor em perseguido: o mistério do abaixamento e humilhação do Verbo de Deus até as últimas das conseqüências. Trata-se do famoso hino cristológico que está no 2o. capítulo da Carta aos Filipenses: " Ele tinha a condição divinamas não se apegou a sua igualdade com Deus Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmoassumindo a condição de servoe tornando-se semelhante aos homens.Assim, apresentando-se como simples homem,humilhou-se a si mesmo,tornando-se obediente até‚ a morte e morte de cruz!" Fil 2,5-8Paulo começa, portanto, afirmando que Jesus Cristo é Deus: “Ele tinha a condição divina”. Mas revelou-a a nós, não ofuscando-nos com seu esplendor nem esmagando-nos com seu poder, nem mesmo ou muito menos repartindo ordens ou castigos com sua autoridade. Ele o faz despojando-se da condição divina que é a sua, à qual “não se apegou”. “Esvaziando-se de si mesmo” e assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante a nós.

Qual o sentido de tudo isso? Que sentido tem que um Deus se esvazie de suas prerrogativas e queira ser encontrado a nosso lado, semelhante a nós, em situação de igualdade ou mesmo de inferioridade e humilhação (“humilhou-se a si mesmo tornando-se obediente até a morte de cruz”).Parece que o primeiro sentido há que encontrá-lo na própria identidade de Deus. O mais profundo desta não é a onipotência, mas a vulnerabilidade. Deus é vulnerável pelo amor que nos tem. Por causa desse amor desce de sua eternidade para dentro de nossa temporalidade histórica. Sujeita-se a nossos tempos, limita-se por nossos espaços, serve-nos ali onde estamos. Encarna-se em nossa carne mortal, nasce de mulher, sujeito à Lei, sem lugar para estar. O Verbo pronunciado desde toda a eternidade tem que aprender a falar, a andar; tem que ser ajudado nas coisas mais simples como qualquer ser humano. Participa em tudo – menos no pecado – de nossa fragilidade de nossa vulnerabilidade. Porque nos ama. Apenas por isso. Livremente e porque assim deseja aproximar-se de sua criatura pecadora. Uma vez constatado, com estupor, esse mistério, há duas palavras que, ajudando-nos a compreender o sentido do mistério da Paixão de Jesus, ajudam-nos a ver o sentido que deve ter, à luz desse mistério, nossa própria vida humana: compaixão e comunhão. Somos humanos na medida em que somos capazes de com-paixão. Em uma sociedade de bem estar, em que somos acossados diariamente a consumir, a desfrutar impunemente das benesses e delícias do prazer e do progresso, onde somos instados a prestar atenção apenas nas pessoas que podem trazer-nos algum benefício ou retribuir-nos de alguma forma os serviços que lhes prestamos, a Paixão de Jesus nos ensina a com-padecer. A abrir o coração e colocá-lo ao alcance do sofrimento e da dor humanas. A deixar-nos configurar por ela, afetar por ela, ser tocados por ela. E deixar que ela comande nossos atos e decisões.

Com-paixão, padecer com: esse é o segredo da vida vivida em plenitude. Solidarizar-se com o outro naquela situação onde ele ou ela não nos pode retribuir, pois está reduzido apenas a uma dor sem limites e sem redenção, a um sofrimento sem explicações. Somos humanos na medida em que somos capazes de comunhão. Comungar com o outro, com sua dor e sua alegria, com sua esperança e sua angústia. Não querer ficar apartados ou distantes das situações que estão sendo vividas e sofridas pelo mais humilde e obscuro de todos os nossos semelhantes – isto é comunhão. É a solidariedade levada a suas últimas conseqüências. Tudo que afeta o outro me diz respeito e é meu também. Não só seus triunfos ou seus êxitos. Mas também e sobretudo, seus fracassos, suas solidões, suas incompreensões, sua pobreza. Aquilo pelo qual ninguém o acompanha e que o torna tão repugnante que não pode atrair os olhares nem o interesse de ninguém. Isso é a verdadeira comunhão e só os seres humanos são capazes disso.A compaixão e a comunhão levaram Jesus de Nazaré a Jerusalém, obediente ao desejo do Pai que desejava resgatar e reunir todos os seus filhos dispersos e perdidos, mostrando seu verdadeiro e amoroso Rosto.

A compaixão e a comunhão atraíram sobre ele o ódio do mundo e a violência dos que o condenaram e mataram. A compaixão e a comunhão nos salvaram e nos salvam a todos de uma vida vazia e sem sentido, que aposta em objetos efêmeros e voláteis, que hoje nos atraem e amanhã servem apenas para o lixo e a poluição que ameaça o planeta. A compaixão e a comunhão dão espessura à vida humana que ameaça liquefazer-se neste século XXI que já vai para o final de seu primeiro quartel.A compaixão e a comunhão nos mostram o verdadeiro rosto do Deus da revelação. Rosto feito de amor e não de ira; de vulnerabilidade e não de distancia; de perdão e não de castigo; de benção e não de maldição. A Igreja e a liturgia nos convidam a seguir Jesus em direção a Jerusalém e a acompanhá-lo na entrega de sua vida. E a fazê-lo com sentimentos de com-paixão e comunhão, para que nossa vida também realize esse êxodo do próprio amor, do egoísmo que nos mata e nos isola em direção ao dom que é a única coisa capaz de realizar-nos como pessoas humanas.

Maria Clara Lucchetti Bingemer In http://amaivos.uol.com.br/

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