Páscoa: Experiência de fé e compromisso missionário


por Maria Clara Lucchetti Bingemer


Não sei o que mais impressiona nos relatos pascais que encontramos nos Evangelhos. Se a mudança radical que faz com que o luto doloroso e lacrimejante pelo Crucificado morto de maneira infame se transmute em alegria exultante e intrépida; ou se o fato de que um mistério tão profundo e tão sublime seja ao mesmo tempo tão carregado de raiz histórica e realismo humano. Talvez ambas as coisas. Mas o fato é que a lógica de Deus, que sempre desconcerta, porque vai na contra mão de nossa lógica humana, talvez jamais desconcerte tanto como no evento pascal que dá origem à fé cristã. A começar pela fragilidade do movimento que mudará o mundo e dividirá a história em “antes” e “depois”: umas frágeis e desoladas mulheres que não se conformavam que o corpo do Amado mestre, morto depois de sofrer tanto, ficasse sem o perfume e os óleos por elas cuidadosamente preparados em sua última morada. Será que acreditavam mesmo que era a última? Será que em seus corações e, sobretudo em seus ventres feitos para a vida e a fecundidade, acreditavam na morte como última palavra? Ainda que suspeitando que não, o fato é que na madrugada do domingo, quando tudo ainda dormia e a noite ameaçadora ainda não fora vencida pela luz, elas caminharam trêmulas e tristes, amparando-se umas às outras e habitadas por uma pergunta que dá bem testemunho de sua fragilidade: “Quem nos há de remover a pedra da entrada do sepulcro?” Força para enfrentar a noite e seus fantasmas elas tinham. Força para sobrepor-se à dor e levar perfumes para ungir o corpo do Mestre também. Mas força para remover a enorme pedra que selava o sepulcro... para isso precisariam da ajuda de alguém. E, no entanto, encontraram a pedra removida e o túmulo vazio e alguém que lhes disse, diante de seu estupor pela ausência do Mestre, que ele as precederia na Galiléia. E que fossem dar esta notícia a Pedro e ao discípulos. Tiveram medo, diz o evangelista, e fugiram e calaram-se. Mas em Maria Madalena não houve medo que paralisasse, pois além de ver a pedra rolada, as impossibilidades removidas e a ausência que a desesperou pensando haver perdido o que lhe restava de seu Senhor para sempre, a necessidade de partilhar esta notícia foi mais forte que o medo. E foi dizê-lo aos discípulos... que não creram nela. Depois, no entanto, foram ver. E não viram nada, pois o túmulo estava vazio. Mas aquele a quem Jesus amava viu e creu. E a partir daí, já nada nem ninguém mais era capaz de segurar esta notícia, esta boa nova, esta espetacular inversão da lógica da morte e da tristeza: aquele que vimos morto está vivo e apareceu às mulheres, a Maria Madalena, a Simão Pedro, a dois dos nossos que caminhavam para Emaús, aos onze reunidos. Seria lógico que a alegria dos amigos que reencontram a preciosidade do amigo perdido fosse retumbante... se tudo voltasse a ser como antes. Mas não. Nada era como antes. O Ressuscitado aparecia e de novo os deixava. Dava-lhes incumbência e missão: contar a todos, anunciar a outros, a outros e outros mais. Fazer com que a notícia corresse mundo e transformasse os corações enlutados em alegres, o medo em coragem, a solidão em companhia. Deixava-os, mas desta vez não sozinhos, não em lágrimas, não mergulhados na desolação. Sua identidade estava transformada. De frágeis e desolados seres humanos atirados em irremissível orfandade eram agora intrépidas testemunhas. Que deviam fazer? Juntar-se o mesmo grupo para comemorar juntos a boa notícia da qual só eles sabiam, na qual somente eles e elas creram? Não. Trabalhar, mover-se, contá-la aos outros. Testemunhar para que outros creiam e tenham parte nesta alegria. Após a experiência tão dolorosa da Paixão, a palavra de ordem de Jesus Ressuscitado não é descansar e recuperar-se dos traumas para depois voltar à rotina. Mas é imediatamente mudar de vida, lançar fora uma rotina que nunca mais acontecerá. Porque agora a vida consistirá em não descansar nunca mais de anunciar que aquele que os homens mataram está vivo pelo poder de Deus e a morte não tem mais nenhum poder sobre ele. O anúncio do mistério maior que funda a fé cristã não lança os discípulos que agora são apóstolos e mensageiros da boa notícia na órbita longínqua e distante da alienação imobilizante. Mas pelo contrário, os atira de cheio no ventre da história conflitiva e problemática, a mesma que levou Jesus à morte, para dar testemunho de sua Ressurreição. O tempo mostrou que a muitos e muitas estaria reservada a mesma sorte do Mestre. Que importância tinha? Que medo poderiam ter de uma morte que Deus já havia vencido em seu Filho? O que poderia dete-los ou rete-los? Nada. Ninguém. Pelos caminhos de terra, pelo seio do mundo, pelo espaço e pelo tempo, desde aquela madrugada até hoje, esta notícia continua disponível para mudar a face da terra, transformar a dor em júbilo e proclamar que tudo tem sentido, uma vez que o amor é mais forte que a morte. Passar por aí, sofrer a perda e proclamar o ganho, chorar a morte e converter-se em testemunha da vida, apalpar o fim e constatar e anunciar que é apenas o princípio da vida que não morre é o sentido da vida humana sobre a terra. Cabe a nós levar adiante essa notícia, cuidando-a desveladamente, a fim de que sua amorosa fragilidade possa chegar aos confins da terra, como desejou e profetizou Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem, padeceu, morreu, foi sepultado, mas foi ressuscitado por Deus seu Pai e nosso, porque o amor é mais forte que a morte. In http://amaivos.uol.com.br/

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